sábado, 23 de abril de 2016

A invisibilidade da prostituição.




Sempre tive curiosidade quanto à prostituição. Garotas de programa, profissionais do sexo, acompanhantes de luxo, prostitutas, quem são elas? Ninguém melhor do que eu mesma para ir atrás das respostas que eu queria, então fui para o Pistão.

A prostituição é caracterizada pela  troca de favores sexuais, elementos sentimentais, como o afeto, geralmente estão ausentes em pelo menos um dos protagonistas. Nesta profissão, tida como “a mais antiga do mundo”, na grande maioria das vezes troca-se sexo por dinheiro. A pessoa que trabalha neste ramo é chamada de profissional do sexo, é praticado comumente por mulheres mas também exercida por homens, esse é um dos ramos da indústria do sexo, que cresce cada vez mais a mundo inteiro.

A prostituição é reprovada por muitos devido ser contra a moral e os bons costumes, o preconceito e pelo impacto negativo sobre as estruturas familiares e sociais.

Passei três madrugadas na rua ou chamado "pistão". O pistão é o nome dado a zona ou território frequentado por essas profissionais. Eu percebi que apesar da exposição dessas mulheres, existe uma invisibilidade social muito grande. São milhares de mulheres se prostituindo, cada vez mais novas, e ao mesmo tempo parece que ninguém vê. Compreender o que está por trás disso foi uma das experiências mais emocionantes da minha vida, e lhe garanto, não há glamour.

A noite é muito fria, eu senti medo ao estar alí, me senti vulnerável e totalmente exposta a todo e qualquer tipo de risco e perigo, que normalmente elas sofrem todas as noites, senti medo até mesmo das "colegas de profissão" pois nesta zona existe uma marcação de território, nem sempre um rostinho é bem vindo e aceito, e isso pode trazer sérios problemas. Dentro da zona existe grupos, individualidade, disputa, brigas, escândalo, baixaria, só não tem duas coisa: Paz e harmonia.

Eu fui para o pistão com contatos marcados, elas saberiam que eu estaria ali, e o porquê da minha ida, fui bem recebida por todas, me senti em um outro mundo, a sensação que tive é que depois da meia noite o encanto acaba, eu vi uma outra cidade sobre os meus olhos, ruas desertas e escuras, tudo muito sombrio e forçado, todos os sorrisos e simpatia daquelas moças não eram verdadeiros eram apenas uma forma de negociar o serviço oferecido, uma maneira de atrair seus clientes, porém em meio a isso, não pensei em desistir.

Eu estava ali como repórter de um Jornal impresso, uma decisão pessoal, eu decidi entrar no papel de uma profissional do sexo para compor e elaborar melhor a minha reportagem. Conversei com cinco mulheres, o relato é o mesmo, a história apenas se repete, ninguém entra nesse ramo a não ser por necessidade, a maioria delas foram expulsas de casa ou saíram do interior para a capital em busca de uma qualidade de vida. Existe um grande número de mulheres que são abusadas psicologicamente e sexualmente por seus próprios familiares.

Preste atenção nesse diálogo.

- Sai de casa com 16 anos, meu padrasto me olhava com outros olhos, contei pra minha mãe, mas ela me disse que eu é quem estava querendo "roubar" o homem dela. Um dia ele me estuprou, como eu não era mais virgem e ele usou preservativo, ficou difícil de me defender, eu não sabia nem o que fazer, apenas sai de casa e fui morar com uma amiga que vivia da prostituição, e na época foi a única que me ofereceu abrigo e me estendeu a mão.

- Como você entrou na prostituição?

- Já estava a um tempo procurando emprego e nada, precisava me sustentar, suprir as necessidades básicas como comer e me vestir, decidi experimentar fazer apenas um programa, pra garantir dinheiro por umas semanas, mas o dinheiro é um vício, ainda mais quando ele vem fácil, estou há cinco anos nessa vida.

- Isso pra você é vida?

- Não Bruna! Mas cada um luta com as armas que tem.

- E você acha que ganha esse dinheiro "fácil" como dizem?

- É fácil apenas pela rapidez em que o dinheiro vem, em um dia eu ganho o valor de um salário mínimo que outra pessoa ganha trabalhando um mês inteiro em uma loja, por exemplo, e por isso é chamado de fácil, mas fácil em si não é.

- Se eu quisesse entrar para à prostituição hoje, o que você me aconselharia?

- Bom, eu não sou uma pessoa boa pra dar conselhos, olha onde eu tô.

- Eu to te pedindo, me dê um conselho.

- Não entre! Isso aqui não é pra você.

- Mas porque não? O que me difere de você?

- Você é bonita, inteligente, nem parece ser daqui, você vai se dar bem na vida, tem mais do que sexo pra oferecer, você pode "dar" de graça, eu não, eu só tenho isso pra vender.

- E se eu pudesse te tirar daqui, você iria comigo?

- Não sei, talvez sim talvez não.

É exatamente assim a vida das profissionais do sexo, principalmente as que estão nas ruas de Macapá. Insegurança, "talvez sim, talvez não" frustração, medo no olhar, máscaras, que com pequenos diálogos caem, nenhum delas conseguiu esconder quem elas são de verdade, caladas e desfilando elas parecem seguras, confiantes, quando comecei a pedir para elas falarem como se sentiam, afinal, eu estava ali apenas para ouvi-las, na voz de todas eu senti tristeza, no olhos delas eu vi meninas e não mulheres. Por trás desse "glamour" dessa "vida fácil" da comodidade quem dizem que elas tem, existe problemas psicológicos, traumas, violência verbal e física, existe pressão! Você sabe o que é se sentir pressionado(a)? Se sentir sozinho nesse mundão de Deus. Eu tive uma ideia disso, eu me vi em cada uma delas. Existe uma degradação. Eu lamento quando vejo discussões sobre a prostituição e a abordagem sempre é a mesma, sempre com uma carga de fetiche e fantasia, eu descobri o lado negro da coisa. Muitos desses problemas começam em casa, e por falta de apoio e estrutura familiar, cada um vai vivendo sua vida como pode, é bem aquilo de "Cada um com seus problemas". Se você tem uma mãe, pai, alguém que te ama e te instruí na vida, agradeça! Milhões de pessoas não tem alguém querido, oportunidades, expectativa de coisa alguma. A maioria das que vão para o pistão, são as dependentes de drogas.

Acontece que quando a prostituição se torna alarmante, isso deixa de ser um problema pessoal, e se torna um problema público. Principalmente, quando a prostituição envolve menores de idade, Conselho Tutelar, Polícia Militar, as Políticas e Órgãos não ficaram parados, eles serão envolvidos na luta contra a  prostituição, esses problemas deixam de ser conflitos familiares e se tornam um problema social. Ainda que, vale citar que não senti nenhuma delas seguras com a tal segurança que o Estado diz oferecer.

Os órgãos que lutam para que essa indústria do sexo acabe, existem e exercem seu trabalho, mas é importante lembrar que eles não vão até elas, elas precisam ir até eles em busca de ajuda, precisam denunciar muita das vezes os aliciadores que estão por trás disso, existe um tráfego não só na prostituição,  mas de drogas. Muitas delas se prostituem para alimentar o vício, começam a noite no pistão, e terminam na boca de fumo.

Elas não são invisíveis! Elas estão ali, estão ao seu lado, fingem não saber quem elas são, a não ser que você entre no submundo delas, a não ser que você as escute, não se trata apenas de curiosidade, isso é sobre exercer minha cidadania, ter um novo olhar sobre as ruas dessa cidade, ter um novo olhar sobre elas, mulheres como eu, poderia sim ser eu ali, analisar como anda a segurança pública, a pobreza, educação, é sobre conhecer o próximo sem julgamentos. Cada mulher tem o direito de fazer com o seu corpo o que quiser, inclusive vende-lo, o problema deste assunto é quando passa pelas mesmas causas das drogas: Tabu, estigma e exploração do homem pelo homem.

Queridos, contra fatos não há argumentos, se o número está crescendo a cada dia mais, é porque algo não está indo como esperávamos, chega de falar de prostituição como algo que fosse atraente.

Conversei também com uma acompanhante de luxo, pra vê a diferença que há em quem vai pra rua e se expõe (ou seja a que tem mais chances de sofrer preconceito) do que quem está nos bastidores do tido "luxo". A que questão é que as acompanhantes de luxo têm alguns previlegios, e comodidades, fazem viagens, andam bem vestidas, moram em um apartamento bom e tem o carro do ano, mas como eu disse, todas entram pelo mesmo motivo, a necessidade. Conversei com uma moça que aqui será chamada de Amanda, ela relatou que entrou por necessidade, e que com o dinheiro que ganha sendo acompanhante tem ajudado a construir seu futuro, como garantir a faculdade onde ela cursa odontologia, e bancar o curso de inglês, ela ressaltou que sabe que isso é temporário, que ninguém vive disso por muito tempo, que isso envolve apenas a beleza, e que isso um dia acaba, por isso busca investir nos estudos.

"Cada um tem sua história, todas entram por necessidade, mas cada uma pode escolher quando sair, eu escolhi fazer isso, porque aproveitei a oportunidade que me foram oferecidas, mas não me orgulho do que faço, por isso tendo sair logo dessa vida." concluiu Amanda.

Durante o diálogo Amanda se mostrou uma mulher alem de linda, inteligente e comunicativa, muito firme em suas decisões, foi muito transparente em suas respostas, porém disse não ser uma mulher feliz, mesmo tendo tudo do bom e do melhor. Quando questionada o porquê de não sair disso, ela declarou que é ciclo vicioso, que eu não poderei imaginar se eu não vivi aquilo.

Muitas delas são taxadas de "fazem porque querem" tem "preguiça de trabalhar" são "vagabundas", como a Amanda disse, cada um de nós tem a sua história, não tente opinar sobre o problema que você não vive. Passei dias e dias acompanhando a vida dessas meninas, termino meu texto dizendo que chorei todos os dias ouvindo as histórias de todas elas, não tem como não se emocionar com a "prostituta" que não teve o amor dos pais, que foi abusada e é até hoje, que sofreu rejeição, abandono, que passou sede e fome, que é chamada de "puta" todos os dias, que passa a noite se prostituindo e de manhã tem que estar firme e forte cuidando dos filhos, que é vista como uma pessoa sem valor, acho que essa é uma das piores dores, você ser vista sem valor, como se fosse nada. Me dói ter visto elas se vendendo, conheci mulheres maravilhosas, simples, coração bom, valores que dinheiro nenhum paga.


O meu objetivo não foi explicar o que é a prostituição, o porquê chegamos a isso, não é sobre o culpado e a vítima, é sobre o que existe dentro de cada um de nós, o que nós sentimos e como vemos isso. Ou você se conforma, ou faz algo. Eu não precisava estar alí, mas eu fui, porque só estando por dentro, vivenciando, para enxergar o que é. De longe as opiniões são rasas, muitas palavras e argumentos invasivos e falsos.

Bruna Rocha

Nenhum comentário:

Postar um comentário